PGE SUSPENDE ACORDO COM EMPRESÁRIA POR TEMPO INDETERMINADO
O redemoinho jurídico imobiliário que está remexendo as areias e os assuntos da vila de Jericoacoara, com a história da mulher que se apresentou como proprietária de parte daquelas terras, tem um novo sopro. Desta vez, a princípio, coincidente com a demanda da comunidade. Diante da repercussão e proporção que o caso tomou, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) decidiu estender, agora sem um prazo determinado (antes seria de 20 dias), a suspensão do acordo extrajudicial firmado com a empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, para que sejam feitas mais diligências e perícias de órgãos ambientais e fundiários e ampliar o acesso das informações aos moradores da localidade.
A decisão foi tomada pela PGE na última terça-feira, 29, e seguia até ontem sendo discutida apenas internamente pelo corpo técnico do órgão. O POVO confirmou a extensão da suspensão com o procurador geral do Estado, Rafael Machado. A principal intenção é buscar mais informações sobre a cadeia dominial, que confirma o histórico documental da Fazenda Junco I, que pertence à empresária e teria a área em sobreposição com a vila famosa.
Um ponto teria sido crucial para a suspensão ampliada: o Conselho Comunitário de Jericoacoara apresentou questionamentos sobre o tamanho da fazenda, que teria registros imobiliários anteriores e atuais variando de 400 a 900 hectares, aproximadamente. Outras duas propriedades da empresária, as fazendas Junco II e Caiçara, também têm áreas coincidentes (em mais de 1.600 hectares, somando com a Junco I) com o Parque Nacional de Jericoacoara. Ela pleiteia indenização em ação contra a União junto à Justiça Federal. O Parque foi criado em 2002 e ampliado em 2007.
"Nosso setor técnico avaliou a necessidade (da suspensão do acordo) para que não reste nenhuma dúvida nesse processo e também para que todas as questões colocadas sejam enfrentadas. Para que seja feita uma análise complementar nesse processo em parceria com diversos órgãos e entidades", afirmou o procurador.
A PGE irá oficiar órgãos que lidem com questões ambientais e fundiárias, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Procuradoria Federal, além de voltar a pedir informações e considerações ao Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) e a reativar a busca em cartórios da região. Alguns dos órgãos já tinham se manifestado na fase anterior das negociações. Os núcleos ambientais do Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPCE) também serão comunicados.
O jurídico estadual quer ir mais a fundo sobre o valor e os termos da escritura que dona Iracema trouxe à tona, em julho de 2023, quando reivindicou a propriedade. À época, ela já se propôs a abrir mão de áreas construídas e não interferir onde houvesse habitações ou estabelecimentos comerciais - "nada que alterasse a rotina da vila", divulgou em nota quando o caso caiu no noticiário. Mas inicialmente, seus advogados e representantes indicaram assumir 18 ha, que foram reduzidos a quase 4 ha pelo acordo com a PGE.
No último dia 14/10, numa reunião em Fortaleza entre a PGE e partes interessadas, foi definida a suspensão do acordo por 20 dias, para que o Conselho Comunitário de Jericoacoara elaborasse manifestação formal sobre o caso. O prazo se encerraria nesta segunda-feira, 4/11. O acerto costurado pela PGE, assinado em maio deste ano, foi para que a empresária assumisse 19 terrenos remanescentes da vila (lotes sem construções existentes, que totalizam 3,47 hectares) e renunciasse ao que descreve seu título de propriedade apresentado, de que ela seria até então a dona de mais de 80% da área da localidade (73,5 ha).
O documento cartorial que Iracema apresentou, de caráter trintenário, chegou a ser reconhecido como legítimo pelo Estado, via PGE e Idace. A aflição da comunidade e a repercussão remexeram o entendimento. A terra de beleza singular também está revirada desde que o possível novo desenho de Jeri foi sugerido. A comunidade teria descoberto o acordo casualmente, quando foi reivindicar o título de um terreno onde seria construída uma horta comunitária, e o terreno estava dentro de áreas a serem confirmadas para a empresária.
E dona Iracema, como reagiu à decisão da PGE? "A Sra. Iracema Correia São Tiago informa que está tranquila em relação à decisão da PGE de manter suspenso o acordo para novas verificações junto aos órgãos competentes, que já se manifestaram antes favoravelmente ao seu direito. Entende que tudo o que for feito para esclarecer os fatos ratificará seus direitos e dará mais segurança e transparência ao processo, independente do prazo para a finalização do acordo. Iracema salienta mais uma vez que o acordo garante a manutenção de todos aqueles que já habitam e ocupam a Vila regularmente". Ela já havia afirmado que não quer entrar em atrito com ninguém. A comunidade segue desconfiando de possíveis desfechos que desfaçam o que havia antes do caso.
A vila de Jeri ainda tem muita areia para ser revirada.